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Foto de uma criança branca de costas. Ela segura um ursinho de pelúcia.

Avaliação consta em relatório que acompanha o status de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

O aumento da violência contra crianças e adolescentes no Brasil motivou o Instituto Alana a classificar como retrocesso a implementação de uma meta pertencente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre paz, justiça e instituições eficazes. A gestão ineficiente da pandemia e a redução do orçamento direcionado à defesa dos direitos de crianças e adolescentes foram alguns dos fatores que levaram o Instituto a essa avaliação.

Pelo segundo ano consecutivo, o Instituto participou da elaboração de um relatório em relação ao Objetivo 16 (“Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”) da ODS, mais especificamente à meta 16.2 (“Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças”)

O “VI Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Implementação da Agenda 2030 no Brasil”, lançado em junho na Câmara de Deputados, dá seguimento a uma série que teve início em 2017 e apresenta um panorama geral das políticas sociais, ambientais e econômicas do Brasil. Esse é o único documento hoje no país que acompanha o status de cumprimento dos ODS e foi produzido por 101 especialistas de 48 organizações que integram o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030. 

O material classifica uma meta como “retrocesso” quando as políticas ou ações correspondentes foram interrompidas, alteradas negativamente ou sofreram esvaziamento orçamentário. 

A partir dos dados apresentados e analisados em 2020 e 2021, o Instituto Alana observou dois principais aspectos em relação ao contexto pandêmico e o seu impacto na garantia dos direitos das crianças e adolescentes. O primeiro diz respeito à redução na quantidade de denúncias e do desvelamento de violências cometidas contra esse grupo, tendo em vista que a suspensão das aulas e dos serviços presenciais reduziu o contato de crianças e adolescentes com agentes externos e, consequentemente, a possibilidade de identificação e denúncias das violências sofridas no âmbito doméstico. Também foi avaliada que a ineficiente gestão da pandemia implicou no agravamento de violações de direitos de crianças e adolescentes, a exemplo da demora na vacinação da população e, consequentemente, o retorno das atividades presenciais. 

Além disso, a classificação da meta 16.2 em retrocesso relaciona-se à redução progressiva e sistemática do orçamento destinado à promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes. No que diz respeito a essa questão, o relatório “Um país sufocado: Balanço Geral da União 2020” traz dados que confirmam e retratam essa sistemática violação do dever de absoluta prioridade de crianças e adolescentes na execução de políticas públicas e na destinação de recursos públicos. Em 2020, foram destinados R$ 425,6 milhões  de recursos para a subfunção “Assistência à Criança e ao Adolescente”, R$ 298 milhões a menos em comparação aos R$ 723,8 milhões de 2019. Naquele mesmo ano, foram executados R$ 442,7 milhões, R$ 45,7 milhões a menos que em 2019 (R$ 488,4 milhões). Além disso, considerando apenas as despesas de 2020, deixou de ser executado 19,5% do valor disponível. 

Em relação ao indicador 16.2.1, “Proporção de crianças com idade entre 1 e 17 anos que sofreram qualquer punição física e/ou e/ou agressão psicológica por parte de cuidadores no último mês”, no início da pandemia, conforme apontado no “Dossiê Infâncias e Covid-19: os impactos da gestão da pandemia sobre crianças e adolescentes”, enquanto o Disque 100 registrou um aumento geral do número de denúncias de agressões a outros grupos sociais vulneráveis (como idosos, pessoas com deficiência, pessoas privadas de liberdade e mulheres) entre os meses de março a junho de 2020, o único grupo em que se registrou menos denúncias foi o de crianças e adolescentes. Em abril, o número de denúncias foi 18% menor em relação ao mesmo mês de 2019. Porém, vale lembrar que a redução no indicador não equivale à redução das violências. Já no primeiro semestre de 2021, houve um aumento no número de denúncias de violações de direitos humanos de crianças e adolescentes em comparação ao semestre anterior: 47.416 denúncias (178.666 violações) frente a 41.722 (101.403), demonstrando que, nesse momento, as denúncias represadas começam a chegar aos órgãos de proteção.

Nesse contexto, foram registradas, em 2021, 153,4 mil denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes via Disque 100, segundo dados divulgados pelo Governo Federal. Além disso, em 2021, segundo dados oficiais, o Disque 100 recebeu 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. 

Também foram registrados 24.761 boletins de ocorrência de casos de violência contra crianças e adolescentes, conforme pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal no primeiro semestre de 2021, considerando 12 Unidades Federativas (UFs) brasileiras. Além disso, no mesmo período, foram registrados, por dia, 136,8 casos de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. De acordo com a pesquisa, a violência contra crianças e adolescentes vem aumentando e há um grupo ainda mais vulnerável: crianças e adolescentes negros e do sexo feminino, o que demanda a elaboração e execução de políticas públicas voltadas ao atendimento de direitos de crianças e adolescentes com vistas a reduzir as desigualdades, considerando a interseccionalidade que perpassa essa população com atenção a vulnerabilidades específicas.

Em relação ao indicador 16.2.2, “Número de vítimas de tráfico de pessoas por 100.000 habitantes, por sexo, idade e forma de exploração”, de janeiro de 2020 a junho de 2021, foram registrados 301 casos de tráfico de pessoas, sendo que 50,1% são casos de crianças e adolescentes, segundo dados oficiais divulgados pelo Governo Federal. 

Já quanto ao indicador 16.2.3, “Proporção de mulheres e homens jovens com idade entre 18 e 29 anos que foram vítimas de violência sexual até a idade de 18 anos”, em 2020, foram registrados 60.460 casos de estupro, havendo uma redução de 14,1% desses atos, conforme dados divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Desses casos, 73,7% das vítimas eram consideradas vulneráveis, 86,9% eram do sexo feminino, 60,6% tinham até 13 anos e, em 85,2% dos casos, o autor era conhecido da vítima.

Embora durante a pandemia de Covid-19 os números de registros de violência sexual tenham reduzido, não implica afirmar que, de fato, houve redução na incidência desse tipo de violência. Além dos crimes sexuais terem altas taxas de subnotificação, em razão do distanciamento social e da suspensão do atendimento presencial de serviços ocorridos durante a emergência sanitária, como, por exemplo, serviços da assistência social, de educação e saúde, a possibilidade de denúncias e identificações desse crime foi prejudicada. 

“Nesse contexto de evidente retrocesso, a efetivação do artigo 227 da Constituição Federal faz-se ainda mais urgente. Garantir a prioridade absoluta de crianças e adolescentes na efetivação de direitos, na formulação e na execução das políticas sociais públicas e na destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas à proteção à infância e à juventude é o caminho para avançarmos na consecução da meta 16.2”, comenta Mariana Albuquerque Zan, advogada do Instituto Alana. 

O “VI Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Implementação da Agenda 2030 no Brasil” está disponível em formato PDF em duas versões: português e inglês

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