Author: safira

mulher ergue para o alto uma criança, ao fundo por do sol

Ana Lucia Villela*

O Brasil está entrando em uma nova corrida presidencial, talvez a mais importante de nossa jornada democrática, mas estamos cercados de incertezas. Enfrentamos uma emergência climática que coloca em risco a nossa própria existência. O planeta está chegando ao limite com enchentes, tempestades, desmatamento, incêndios florestais e temperaturas extremas. 

Hoje, vemos as próprias crianças tomarem para si a responsabilidade de lutar contra a mudança climática e ir à público pedir ações concretas para garantir seu futuro. Podemos concordar que é injusto que toda a responsabilidade caia sobre elas sem que nós,  adultos, façamos algo.

Ainda estamos em meio à pandemia da Covid-19, onde as crianças e os adolescentes foram e são vítimas invisíveis. Há muitas famílias em situação de vulnerabilidade e extrema pobreza, especialmente entre crianças negras, residentes em comunidades periféricas, quilombolas e indígenas. 

Soma-se a isso o estresse gerado pela falta de apoio durante a pandemia, além do aumento da pobreza e da fome, da quebra da convivência familiar e social – lembrando que o Brasil foi o país onde as escolas ficaram fechadas por mais tempo durante a crise do coronavírus.

A perda de amigos e familiares, resultando em inúmeros casos de orfandade, comprometeu a saúde mental das crianças e dos adolescentes, levou a um sofrimento psicológico e ao agravamento de questões de saúde já existentes.

Enfatizo ainda o impacto da crise sanitária às crianças e jovens com deficiência. Muitos foram apartados da política educacional no período de crise pelas desigualdades de acesso aos materiais e aprendizagem, que passaram a ser feitos por meio de livros didáticos, atividades impressas e vídeos, sem garantia do uso de recursos de acessibilidade, por exemplo. E hoje, enfrentamos também uma alta e preocupante evasão escolar de adolescentes.

E como se não bastasse tudo isso que mencionei, ainda estamos vendo vários conflitos e guerras acontecendo pelo mundo. Durante uma guerra, o tempo da infância é suspenso, pois ser criança é incompatível com os horrores de conflitos armados entre adultos.

Estamos longe de conseguir contornar todos os retrocessos trazidos pela crise econômica, social e sanitária que assola o Brasil e o mundo. É a primeira vez em 20 anos que o trabalho infantil voltou a crescer. A fome também voltou a assombrar as famílias brasileiras, lembrando que chegamos a sair do Mapa da Fome das Nações Unidas em 2014. O país corre o risco de regredir duas décadas no acesso à educação.

Sei que o cenário que descrevo aqui é de desesperança. Mas não precisa ser assim. O Brasil é um país reconhecido mundialmente por ter uma das legislações mais avançadas no que diz respeito à proteção da infância e da adolescência. Está lá, no Artigo 227 da nossa Carta Magna, que crianças e adolescentes, seus direitos e interesses, em todas as decisões das famílias, da sociedade e do Estado, inclusive nas escolhas políticas, sociais e econômicas, são sim prioridade absoluta.

Essa lei é a materialização de um desejo de nós, brasileiras e brasileiros, que sabemos que um país bom para as crianças é um país bom para todo mundo. Todos nós sonhamos com um Brasil que coloque as crianças e adolescentes em primeiro lugar. 

Não importa a sua área de atuação, seja em pesquisa e desenvolvimento, saúde, economia, finanças, meio ambiente, indústria, entretenimento, educação, esportes, política…. crianças e adolescentes têm que ser vistos como o centro de nosso desenvolvimento. 

Plantaremos mais árvores se colocarmos a vida das crianças, seu presente e seu futuro, em primeiro lugar. Teremos mais calçadas acessíveis a todas as pessoas, quando consideramos que esse caminho tem que estar acessível às crianças. As escolas serão de qualidade e teremos segurança alimentar para as famílias quando entendermos que o desenvolvimento integral da criança é prioridade absoluta.

Nosso objetivo é que todos nós, ciente de nossa responsabilidade, nos mobilizemos para mudar o rumo das infâncias no país.

Juntas e juntos, podemos contribuir para a realização de eleições ancoradas no respeito às instituições democráticas e no debate qualificado em torno de soluções para os problemas do Brasil, nas quais a infância e a adolescência ocupam o centro dos debates.

Porque acreditamos nessa força da construção coletiva e na visão de um país atento ao seu presente e futuro, Alana, ANDI e várias outras organizações da sociedade civil criaram um movimento inspirado nas letras da Constituição: a Agenda 227.

Imagine todos os partidos políticos colocando o Artigo 227 na centralidade de seus programas eleitorais no momento de formulação das políticas públicas. Esse é um dos principais objetivos do movimento, que nasceu neste momento de tantos desafios para recolocar a importância de garantir a prioridade absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. 

Consigo ver empresários e influenciadores lembrando seus públicos que a construção de uma sociedade justa, inclusiva, sustentável e democrática, depende de colocarmos os direitos de crianças e adolescentes em primeiro lugar.

Vejo a imprensa cobrando partidos e candidatos para que façam valer a Constituição; pautando os debates dos presidenciáveis conforme o Artigo 227, que assegura às crianças “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade”.

Isso não é um sonho só nosso. Estamos iniciando a jornada da Agenda 227 e convidamos a todas e a todos a falar desse movimento, divulgar em suas redes sociais, cobrar seus públicos, se envolver. Vamos juntos partilhar desse sonho e projeto de sociedade e de país!

 

*Ana Lucia Villela é membro do Conselho de Administração do Itaú e também cofundadora e presidente do Alana, uma organização de impacto socioambiental que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança e fomenta novas formas de bem viver.

Foto balança da justiça

Foi com muita tristeza que o Alana recebeu hoje a notícia da morte de Dalmo Dallari, 90 anos, um dos juristas mais emblemáticos de nosso tempo. Defensor incansável dos direitos humanos, o professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo sempre destacou a importância da vontade popular na formulação de nossa Carta Magna.

“Temos uma das primeiras Constituições do mundo a consagrar a democracia participativa, refletida especificamente no Artigo 227, que determina prioridade absoluta para crianças”, afirmou o jurista em entrevista para o Instituto Alana em 2014.

O Artigo 227 afirma que crianças e adolescentes, seus direitos e interesses, em todas as decisões das famílias, da sociedade e do Estado, inclusive nas escolhas políticas, sociais e econômicas, devem ser prioridade número um. “Absoluta prioridade significa que a criança não pode depender de sobras orçamentárias; não é uma coisa de que se cuide ou não conforme as conveniências políticas dos governantes. É dever prioritário e fundamental do Estado tratar a criança com absoluta prioridade”, explicou Dallari.

“O Professor Dalmo Dallari sempre nos inspirou na defesa dos direitos humanos, da democracia e do direito de todas as crianças ao respeito. Suas ideias e e exemplos acolhedores e generosos continuarão presentes em todos nós”, afirmou Pedro Hartung, advogado e diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Instituto Alana, que foi um dos orientados de Dallari.

menino negro segura um pato nas mãos. A criança está mergulhada até o peito em um lago.

O Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar sete ações que podem fazer toda a diferença para garantir, às infâncias e ao planeta, um futuro no presente

 

No próximo dia 30 de março, o Supremo Tribunal Federal analisará sete processos que procuram garantir medidas efetivas de preservação socioambiental. Não é usual a mais alta corte do país colocar em pauta tantas ações sobre o mesmo tema em uma única sessão, mas a gravidade do momento o exige. O combate ao desmatamento e às queimadas, o desmantelamento de órgãos que atuam na proteção ambiental e a qualidade do ar serão alguns dos assuntos abordados e que afetam, diretamente, a saúde e o desenvolvimento integral de todas as crianças do nosso país.


Mudanças no uso do solo, com queimadas associadas ao desmatamento, vem escalando a números alarmantes. A taxa de desmatamento da Amazônia divulgada no final de 2021 alcançou a inaceitável marca de 13.235 km2, entre agosto de 2020 e julho de 2021, representando um aumento de 75% em relação a 2018. Entre as principais fontes de  emissão de gases do efeito estufa em nosso país, as queimadas intensificam a poluição do ar e provocam a desestabilização do clima. Um relatório da Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância), lançado em agosto do ano passado, revelou que quase todos os meninos e meninas na Terra estão expostos a pelo menos um risco climático e ambiental. Por isso, a Unicef classificou a crise climática como uma crise dos direitos das crianças. No entanto, elas ainda são negligenciadas no planejamento de respostas por parte dos governos.


Diante desse contexto, o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, participa de três das sete ações que serão julgadas (veja do que trata cada uma a seguir), em parceria com outras entidades, como amicus curiae (amigo da corte), Ao fornecer evidências e subsídios, o Instituto Alana procura assegurar que os direitos das crianças sejam garantidos com prioridade absoluta, tal como rege a Constituição em seus artigos 225 e 227.


Ao colocar em pauta tantas ações ambientais importantes, frente ao descaso do governo, o STF mostra que está atento aos anseios da sociedade brasileira. A ampla maioria da população, como apontam pesquisas de opinião, defende a preservação da Amazônia e não quer sua exploração a qualquer custo. Outra prova desse consenso em favor da preservação socioambiental é que, no próximo dia 24, nove ex-ministros do Meio Ambiente, que atuaram nos governos Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer irão até o Supremo entregar uma carta conjunta na qual expressam o desejo de que a mais Alta Corte se comprometa em favor do desenvolvimento sustentável do Brasil, alinhando-se com grande parte das nações civilizadas e integrando a luta pela saúde climática do planeta.


Famílias, cientistas, empresários, povos indígenas, artistas e ambientalistas vêm alertando que a destruição do meio ambiente é uma ameaça à vida e ao clima do planeta, à biodiversidade, aos negócios, à produção de alimentos e ao bem-estar. “As infâncias são as mais afetadas pelos efeitos do desmatamento e das mudanças climáticas. Agora, o Supremo Tribunal Federal tem nas mãos a possibilidade de garantir, no presente, um futuro melhor para todas as crianças, e para a própria Natureza”, diz Angela Barbarulo, advogada do programa Criança e Natureza. É urgente que as autoridades públicas respondam à altura os desafios que se apresentam.

 

Conheça as 7 ações que serão julgadas e sobre o que trata cada uma delas:

1. Defesa da Amazônia

ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 760

Do que trata: Destaca a falta de medidas de preservação da Amazônia e dos direitos fundamentais das comunidades tradicionais, responsabilizando supostos atos e omissões do governo, do Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).


Autores: PSB, REDE, PDT, PV, PT, PSOL e PCdoB
O Criança e Natureza atua como amicus curiae. 

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

2. Investimentos na defesa da Amazônia
ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 59

Do que trata: do fato de o governo federal estar deixando de disponibilizar R$ 1,5 bilhões para o Fundo Amazônia, que já estavam disponíveis, e legalmente devem ser destinados para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal.

Autores: PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade
O Criança e Natureza atua como amicus curiae.

Relatoria: ministra Rosa Weber.

3. Padrões de qualidade do ar que respiramos

ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6148

Do que trata: Contesta a Resolução Conama 491, de 19 de novembro de 2018, que estabelece padrões de qualidade do ar, pelo fato de essa resolução não regulamentar de forma eficaz e adequada os padrões de qualidade do ar, deixando desprotegidos os direitos fundamentais à informação ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e, consequentemente, à vida.

Autoria: Procuradoria-Geral da República
O Criança e Natureza atua como amicus curiae.

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

4. Autonomia do Ibama

ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 735

Do que trata: alega que o Decreto federal 10.341/2020, juntamente com a Portaria nº 1.804/GM-MD, de 7 de maio de 2020 retiraram a autonomia do Ibama para atuar como agente de fiscalização ao definir que a coordenação da Operação Verde Brasil 2, na Amazônia Legal, seria de responsabilidade do Ministério da Defesa.

Autoria: PV

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

5. Licenças de funcionamento sem análise de risco ambiental
ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6808

Do que trata: Contesta os artigos 6º e 11-A, II, da Lei n. 11.598/2007, com as alterações que lhes foram atribuídas pelo art. 2º da Medida Provisória n. 1.040/2021, que preveem, no âmbito da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), a concessão automática, sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças – inclusive licenciamento ambiental – para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio, além da impossibilidade de os órgãos de licenciamento solicitarem informações adicionais.

Autoria: PSB

6. Exclusão da sociedade civil do conselho que delibera sobre o Fundo Nacional do Meio Ambiente

ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 651

Do que trata: Pede que seja declarado inconstitucional o decreto federal 10.224, de 5/2/2020, alegando que “a pretexto de regulamentar a Lei nº 7.797/89 – que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) -, a sociedade civil foi excluída do conselho deliberativo do FNMA”.

Autoria: Rede Sustentabilidade

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

7. Descaso do governo com o desmatamento e o meio ambiente

ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 54:

Do que trata: alega que cabe ao Poder Público promover a conscientização pública para preservação do meio ambiente e que, para isso, as manifestações do presidente da República são relevantes. Mas que, segundo consta na ação, “em todas as suas declarações Bolsonaro faz pouco caso do meio ambiente ou do desmatamento extensivo da Amazônia”.

Autoria: Rede Sustentabilidade

Relatoria: ministra Cármen Lúcia.

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