Domingo, 24 de maio de 2015 – Slow Kids (Parque Burlemarx). Em uma tenda no gramado, papeis e varais são pendurados, enquanto inocentes canetas coloridas aguardam ansiosas por mais uma Feira de Trocas de Brinquedos. Crachás, poemas, esteiras e cangas. “Cadê papel pra desenhar? Esse chão é mole, não dá pra tinta pegar”. Nomes, etiquetas, alfabeto, objetos, tamanhos, preços e histórias. “Não vou escrever meu nome com esta caneta cor-de-rosa…”
Num canto, uma mãe incentiva: “Você tem que decidir sozinho sobre se quer ou não fazer esta troca, meu filho.” Pontos de interrogação acendem na criança que depois de muito ponderar toma a decisão segura de que quer sim trocar.
Outra mãe acompanha a saga de seu filho, que insistentemente tenta trocar seu brinquedo por um grande dinossauro. Sem conseguir o que quer, ele chora indignado. Em meio aos prantos do filho, a mãe o abraça e sussurra com firmeza: “Mamãe vai comprar um igualzinho pra você, tá?! Vamos embora.” Assim, o filho aceita, a lágrima seca e ele se desapega do desejo pelo dinossauro para se apegar à promessa do novo brinquedo.
A criança dona do dinossauro (de mais ou menos 10 anos) explica que ali só há crianças mais novas e que ele não tem interesse em brinquedos de “criança”. “É difícil para elas entenderem que eu não quero seus brinquedos por conta da diferença de idade.”
Ali perto, uma menina, de uns 10 anos, diz: “Aqui só tem brinquedo de menino”, enquanto analisa os brinquedos disponíveis: carrinhos, monstros, bonecos de ação. Ela suspira “até que enfim…” quando vê outras meninas chegando com brinquedos para trocar.
“Precisamos de mais etiqueta?”. “Parece que pegaram um brinquedo sem avisar o dono”. “Avisa que para fazer a troca direta – criança com criança – tem que haver consenso e o entendimento do que é o conceito da troca.” Um menino ao lado chora e diz que quer destrocar o brinquedo trocado porque tinha se arrependido. A outra criança já havia ido embora.
Perto dali, na bancada de brinquedos sem-dono, as trocas não precisavam de mediação: a criança escolhia um brinquedo e deixava outro no lugar. Uma criança segura uma boneca. Segundo sua mãe “a boneca foi escolhida hoje de manhã depois de muito pensar”.
Duas meninas fixam suas esteiras e se instalam ali por horas. Elas parecem ter encontrado uma mina de ouro: uma criança chega, estica a mão, mostra o que é. Seus olhos brilham, sorriem, e olham para baixo dizendo mentalmente “pode escolher o que quiser”. A criança, então, escolhe e sai meio desacreditada, meio feliz de ter realizado uma troca tão fácil, depois de tantas tentativas.
A graça para as duas crianças era trocar o máximo de vezes possível e verem seus brinquedos circularem: alguns voltavam ao stand depois de serem trocados diversas vezes.
Sábado, 30 de maio de 2015 – Espaço Alana (Jardim Pantanal)
O dia amanheceu bonito: as cores, o clima, a vibração da nossa retina. Ao longe, uma grande tenda personalizada, um banner feito à mão, o detalhe pequeno dos jarros de flores, a toalha de mesa, as placas estilizadas indicavam espaços específicos: “Entrada”, “Saída”, “Brinquedos sem-dono”, “Crie seu monstro”. Coloca o crachá, escreve o nome, a fila cresceu, faltam esteiras, etiquetas. “Atenção! Atenção! A regra é brincar e trocar.”
Aproximadamente 100 crianças e jovens aguardavam a abertura dos portões. As indicações nas placas eram esquecidas, o crachá passou a ser secundário – todos já se conheciam pelo nome. Guardavam brinquedos uns dos outros, pegavam alguns sem pensar. “Fiquem calmos, deixa rolar”. Não precisa de esteira. As crianças passeiam, batem as mãos lambuzadas de água e sabão, pulam corda a milhão e adoram uma competição.
Na bancada de Luiz um caixote que diz: “Crie seu monstro”. Canos, canudos, pedaços de coisas, cabeças, colas, papeis e tesouras. Franksteins começavam a pipocar no boca-a-boca da feira de trocas. “Ô tia, você tem que tirar foto do monstro do meu amigo”. “Esse Woody estava sem os braços. Peguei os braços de uma Barbie quebrada e coloquei no lugar. Colei também uma argola e fiz dele um chaveiro. Agora estou aqui para trocar.”.
“Ô tia, esse brinquedo aqui pode pegar?”. “Só se você trouxer outro e colocar no lugar”. “Mas eu não tenho nada”. “Você não quer criar?”. Puxa, estica, amassa, embola, fecha, gruda, chuta. O menino sai correndo com sua nova bola com um grande valor agregado: jornal, fita adesiva, celofane e uma bexiga enchida com ar do seu próprio pulmão. Ele se esquece de voltar para a Feira de Trocas para troca-la pelo brinquedo que havia lhe interessado.
Um grupo brinca com um tecido colorido grande circular. Em roda, um líder tenta “Agora com calma… com calma…”. Em pequenos e silenciosos movimentos ele tenta fazer com que a roda entre em seu ritmo. A maior parte das crianças estavam frenéticas, pulando, gritando, exigindo que o líder abandonasse o cargo e jogasse a toalha, dando-lhes as rédeas do ritmo. A calma e o freio, a pressa e a liberdade…
O grupo com crianças e jovens estiveram por mais de 4 horas funcionando como uma máquina de trocas e de brincar. Os motores em combustão são a parte humana da questão, que move e depende de um circuito mais amplo para funcionar bem. Criaram novos brinquedos, praticamente não fizeram desenhos, eliminaram as esteiras da jogada, se concentraram na “Bancada dos Brinquedos Sem-dono” seguravam os brinquedos no corpo e não contavam com ajuda de adultos, apenas com os monitores da feira .
Duas Feiras de Trocas, dois contextos, muitas medidas. Na primeira, com cerca de mil pessoas e 6 voluntários, os adultos participaram das trocas tanto quanto as crianças. Na segunda, trabalhamos com um grupo fixo de cerca de 100 crianças e jovens e éramos 10 voluntários. As crianças chegavam sem os pais, em grupos de amigos. Nas duas situações: muita energia, criatividade, resistência pelas regras e a adaptação da lógica da feira para que atendesse às necessidades trazidas pelas crianças. Na primeira, muitos brinquedos, argumentos e desenhos. Na segunda, muita invenção de brinquedos e brincadeiras e quase nenhum desenho. Nas duas felicidade e frustrações.
Relato de Renata Franco que coordenou as duas Feiras de Trocas do Alana que ocorreram durante a Semana Mundial do Brincar.
Veja fotos das duas Feiras de Trocas:
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O último domingo, 24 de maio, foi mágico: aconteceu em São Paulo o maior Slowkids realizado até agora. A quarta edição do evento reuniu 5 mil pessoas que ocuparam a grama e os espaços do parque Burle Marx, na zona sul da cidade, com o intuito de aproveitar a tarde ensolarada ao lado das crianças. Foi um dia dedicado aos pequenos, para eles desacelerarem, se desligarem do universo tecnológico e participarem de brincadeiras ligadas à natureza e a criatividade ao lado dos pais e em contato com outras crianças.
O Slowkids, criado por Tatiana Weberman, da Respire Cultura, Juliana Borges, diretora de Produção da Maria Farinha Filmes, pelo Instituto Alana e patrocinado pela Ticket e Ticket Cultura, vem ganhando cada vez mais adeptos. No ano passado ele foi eleito o Melhor Passeio Infantil de 2014 pelo público do Guia da Folha, do jornal Folha de S.Paulo.
Yoga, feira de trocas de brinquedos, passeios na natureza, rodas de leitura e brincadeiras com papelão, horta e materiais recicláveis foram algumas das atividades presentes no dia, que além de divertir a criançada ajudaram a estimular o pensamento sobre o meio ambiente, a coleta de resíduos, a criatividade e a desenvolverem relações sociais.
O pocket show do “Música em Família” encerrou o dia com chave de ouro. A apresentação no gramado, próximo das crianças e dos pais, fez com que todos dançassem ao som de músicas como “Receita de Felicidade”, “Um Para o Outro” e “Para Sempre”. Além disso tudo, uma variedade de comidinhas saudáveis estiveram presentes no parque em uma área dedicada aos food bikes.
Essa edição do Slowkids fez parte da Semana Mundial do Brincar que acontece entre os dias 24 e 30 de maio, em várias cidades do mundo, com eventos voltados para crianças de até 12 anos – sempre com entrada gratuita. No Brasil ela é promovida pelos núcleos da Aliança pela Infância, do qual o Alana faz parte.
Veja fotos da 4ª edição do Slowkids:
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Foto: Ju Simões
Menina que motivou a criação do Movimento Boa Praça foi reconhecida na cerimônia como um símbolo do poder que as crianças têm para mudar nossa cidade.
A pequena Alice, em seu aniversário de 4 anos, resolveu que queria uma festa na praça. A mãe vendo o estado de abandono do lugar na hora negou o pedido. Alice propôs algo simples e grandioso: “A gente conserta, mamãe”.
Foi desse desejo infantil que surgiu o Movimento Boa Praça que vem melhorando a qualidade de vida de centenas de moradores de São Paulo e deixando a cidade mais humana. Sua mãe, junto com outros moradores e instituições que ficavam ao redor da Praça François Berlanger, na zona oeste, começou um trabalho importante de revitalização e ocupação do espaço público.
Alice está crescendo junto com o projeto. E no dia 22 de janeiro foi a homenageada no Prêmio Cidadão SP, do Catraca Livre, para marcar o que o Catraca, ao lado do Instituto Alana, acreditam para o Catraquinha. Fruto de uma parceria entre o Alana e o Catraca, o Catraquinha vê, na história da Alice, uma inspiração para seu trabalho.
O Movimento Boa Praça é um exemplo de que ideias simples têm o poder de transformar uma cidade, e que as crianças fazem parte desse processo. Através do trabalho comunitário que começou no aniversário de 4 anos de Alice, que mais tarde surgiram as feiras de troca de brinquedos e um pouco dessa história está contada em vídeo.
Iniciativas que trazem o olhar da criança ajudam a construir um espaço mais humano para se viver.