Instituto Alana e outras organizações que se mobilizam pela garantia dos direitos das crianças entregam carta a Douglas Belchior e Marina Silva, membros do governo de transição, para que as infâncias brasileiras tenham o direito ao futuro agora no presente
O governo de transição recebeu nesta quarta-feira, 16, na COP 27, a Conferência do Clima da ONU em Sharm el-Sheikh, no Egito, uma carta assinada por organizações da sociedade civil que chama atenção para a vulnerabilidade das crianças diante da emergência climática e para a necessidade de elas serem consideradas em primeiro lugar nas políticas públicas de combate à crise do clima no Brasil.
A carta, assinada por mais de 40 organizações, dentre elas, o Alana, foi entregue durante o evento “Crianças do sul global são as mais afetadas pelas mudanças climáticas: caminhos e soluções” (assista aqui), no Brazil Climate Action Hub, para dois nomes que compõem o governo de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva: a recém-eleita deputada federal Marina Silva e o professor e representante da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior.
As crianças, especialmente as mais vulneráveis, como indígenas, ribeirinhas, negras, quilombolas, rurais, com deficiência, periféricas e meninas, são as mais gravemente afetadas por todas as dimensões da crise socioambiental, defendem as organizações que assinam o texto.
“Estamos todos vivendo a mesma tempestade, mas não no mesmo barco. (…) As crianças brasileiras precisam de água limpa, ar puro, áreas verdes nas escolas e cidades, moradia segura, saneamento, educação na e com a natureza, transporte sustentável e floresta de pé. Elas precisam ser escutadas e consideradas, com atenção e sensibilidade, para que seus direitos e seu melhor interesse sejam expressos em compromissos concretos e ações climáticas. Elas precisam ser livres para aprender, brincar, experimentar, sonhar e crescer lá fora. Precisamos de mais crianças na natureza e mais natureza para as crianças”, diz o texto da carta.
O governo de transição é um processo realizado antes da posse do presidente eleito, que assume seu mandato em 1º de janeiro de 2023, para que receba todos os dados e informações necessários para implementar seu novo programa de governo. Grupos técnicos de trabalho, que atuam em temas como combate à fome, direitos humanos e desenvolvimento social, estão sendo formados para debater assuntos ligados à transição.
Na carta, as organizações ainda defendem que sejam assegurados os direitos das crianças com prioridade absoluta, conforme determina o artigo 227 da Constituição Federal. “Que elas sejam colocadas em primeiro lugar, com prioridade absoluta, em todas as políticas públicas nacionais socioambientais e climáticas. Porque um planeta saudável para as crianças é um planeta saudável para todos nós. E não há nem direitos, nem humanos, sem natureza”.
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Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP 27, acontece em novembro em Sharm el-Sheikh, no Egito; participação do Alana no evento busca levar as crianças ao centro das negociações climáticas, com atenção especial às infâncias brasileiras e do sul global
As crianças, um dos grupos mais impactados pela emergência climática, precisam ter voz e protagonismo nas políticas ambientais e, ao construirmos um mundo melhor para elas, construiremos um mundo melhor para todas as pessoas. Sob essa perspectiva, o Alana desembarca no Egito, neste mês de novembro, para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), uma conferência anual promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para amenizar os impactos das mudanças climáticas a partir de mecanismos que possam ser aplicados globalmente.
A conferência, da qual costumam participar chefes de Estado, empresas, tomadores de decisão e ativistas, acontece anualmente desde 1995. Em 2020, o evento foi suspenso devido a pandemia de Covid-19. Foram as COPs que resultaram em alguns dos acordos ambientais mais importantes da história, como, por exemplo, o Acordo de Paris, que, entre outros pontos, tem o objetivo de manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2°C.
“A missão do Alana é promover e proteger os direitos das crianças com absoluta prioridade. Nosso objetivo principal na COP é advogar para colocar os direitos das crianças no centro do debate das discussões climáticas para defender o seu direito à vida e ao meio ambiente equilibrado e saudável”, explica Laís Fleury, Diretora de Relações Internacionais da Alana Foundation.
Crianças no centro das negociações da COP
A COP 27 começou no dia 6 de novembro, em Sharm el-Sheikh, no Egito, e deve trazer debates intensos sobre financiamento climático, adaptação climática e compensação por perdas e danos (medidas para reparar pessoas impactadas por consequências de extremos climáticos, como inundações), além de, mais uma vez, buscar meios para limitar o aquecimento global a no máximo 1,5ºC. Nessas discussões, o Alana espera levar as crianças ao centro das negociações, com atenção especial às infâncias do Brasil e do sul global.
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Essa é a segunda vez que a organização participa da conferência da ONU. Em 2021, o Alana esteve na COP 26, em Glasgow, na Escócia, participando de intervenções urbanas, painéis e rodas de conversa. O programa Criança e Natureza levou para a cidade a Bolha Cinza da campanha Livre Para Brincar Lá Fora, que dá visibilidade ao problema da poluição do ar e convida famílias a se engajarem em ações por ar limpo para crianças em todo o mundo. Também participou da roda de conversa “Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável”, sobre as injustiças que estruturam o tema das mudanças climáticas.
O Lunetas, site de jornalismo dedicado ao mundo das infâncias, apresentou os impactos da emergência climática sobre as infâncias brasileiras no painel “As vozes das múltiplas infâncias sobre emergência climática: por um futuro no presente”, e a Alana Foundation fez parte da mesa “Parem de queimar o Pantanal e a Amazônia”, que abordou a importância de manter a floresta em pé, preservar a biodiversidade e reduzir drasticamente as queimadas e as emissões de CO2.
Isso porque são as crianças que formam um dos grupos mais vulneráveis à crise do clima. Elas são as que mais sofrem seus efeitos, ao terem seu desenvolvimento afetado e seus direitos violados por consequências que vão dos desastres naturais à escassez de água e comida.
Para se ter uma ideia, mais de uma em cada quatro mortes de crianças menores de 5 anos está direta ou indiretamente relacionada a riscos ambientais. Além disso, aproximadamente 1 bilhão de crianças e adolescentes vivem em um dos 33 países classificados como de risco extremamente elevado, inclusive o Brasil. Por isso, a importância de medidas reforçadas e específicas.
Plano para garantir justiça climática para as crianças
Integrar os direitos das crianças nas negociações climáticas é fundamental. Para isso, é importante que os participantes da COP 27 desenvolvam um plano adequado de ação para garantir a justiça climática para as crianças. O Children Action Plan (Plano de Ação para Crianças), inspirado no Gender Action Plan (Plano de Ação de Gênero), é uma das iniciativas que visa promover o conhecimento e a compreensão da ação climática que sejam sensíveis às crianças e sua integração coerente na implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).
Outro ponto importante para a rodada de negociações é aumentar e acelerar o investimento em adaptação responsiva a crianças e jovens na redução de riscos de desastres e em medidas de mitigação. Há uma necessidade urgente de se alcançar crianças em maior risco e defender critérios sensíveis a elas na integração dos fundos multilaterais.
Durante a COP 27, o Alana buscará garantir que a proteção das crianças esteja presente nos resultados obtidos pelos workshops previstos do Glasgow-Sharm el-Sheikh work programme, um programa de trabalho de dois anos entre Glasgow e Sharm el-Sheikh sobre a meta global de adaptação que foi firmada na COP 26, e estabelecer diretrizes para os planos nacionais dos países com ações de adaptação centradas nas crianças.
Além disso, o Alana, junto com diversas organizações internacionais, está à frente de um movimento chamado “Children First Climate Movement” (Movimento Climático Crianças em Primeiro Lugar, em tradução livre) para incluir os direitos das crianças nos resultados das negociações climáticas.
Empoderar a sociedade com educação ambiental
O Acordo de Paris, estabelecido na COP 21, em 2015, trouxe diretrizes para empoderar a sociedade para a ação climática por meio de educação, treinamentos e outras medidas. Na conferência de 2021, os países avançaram na intenção de promover esse empoderamento por meio do Glasgow Work Programme on Action for Climate Empowerment (em tradução livre, Plano de Trabalho de Glasgow para Ações de Empoderamento Climático), que estabelece medidas de coerência política, ação coordenada, monitoramento e avaliação.
As primeiras sessões do Action for Climate Empowerment (ACE) realizadas em julho deste ano em Bonn, na Alemanha, foram direcionadas para a juventude, com recomendações específicas e pontuais para as crianças, como, por exemplo, treinamentos de educação e comunicação sobre o clima. Agora, na COP 27, o tema deve ser novamente levantado com o objetivo de incorporar recomendações sobre proteção das crianças e promover workshops que discutam equidade intergeracional e educação em contato com a natureza.
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Crianças como prioridade nos mecanismos de financiamento climático e perdas e danos
Nenhum mecanismo financeiro estabelecido na COP até hoje conta com recursos direcionados para a proteção das crianças, embora em alguns deles haja menção das necessidades e prioridades das infâncias em determinadas políticas. Por isso, o Alana sugere que a COP 27 crie a definição de “financiamento climático sensível à criança” no Standing Committee on Finance, um comitê permanente de finanças criado com o objetivo de auxiliar a COP a melhorar a coordenação financeira de ações relacionadas à mudança climática.
A organização também defende incluir o melhor interesse das crianças no New Collective Quantified Goal on Climate Finance (Nova Meta Quantificada Coletiva sobre Finanças Climáticas), destinando recursos e a proteção das crianças a favor dos países em desenvolvimento. Um dos objetivos é viabilizar, até 2025, um fundo com piso de 100 bilhões de dólares por ano, levando em conta as necessidades dos países em desenvolvimento. Além disso, outro ponto é que qualquer avanço em um acordo de perdas e danos deve ter uma perspectiva sensível para as crianças, já que são elas as mais impactadas por essas mudanças.
Respeito à equidade de gênero, em especial de meninas
Nos programas definidos em conferências anteriores (como, por exemplo, o Gender Action Plan, o Plano de Ação de Gênero do UNICEF), as meninas são mencionadas apenas em pontos relacionados à participação e liderança superficiais em alguns eventos. É preciso avançar para garantir que meninas e jovens de comunidades vulneráveis atuem nas tomadas de decisão. Outro ponto importante é demandar que os países reportem suas medidas efetivas para a equidade de gênero e desenvolvam um relatório nesse sentido.
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Crianças como prioridade nas discussões sobre oceanos
Na COP 26, os Estados firmaram um pacto para fortalecer as ações relacionadas à proteção dos oceanos e preparar um relatório de síntese informal para os países, a ser apresentado na COP 27. O diálogo incluiu a juventude, mas as questões relacionadas à garantia dos direitos humanos não tiveram forte presença. Agora, é preciso solicitar aos países que priorizem ações para os oceanos que também protejam os direitos das crianças.
Nesse sentido, é importante estabelecer diretrizes para adaptação relativas aos oceanos para fortalecer a resiliência de comunidades costeiras e de pescadores e, consequentemente, de suas crianças; mitigar perdas e danos, em especial ao que se refere à acidificação de oceanos como um impacto de longo prazo às crianças; e solicitar um relatório específico de infância e clima no contexto dos oceanos.
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Participação das crianças na COP 27 e seus mecanismos
As vozes das crianças devem ser ouvidas por meio de sua participação significativa no trabalho dos membros da UNFCCC. É assim que os resultados vão refletir suas preocupações, perspectivas e ideias. Além disso, os Estados membros devem buscar a colaboração e a contribuição de órgãos e especialistas em direitos humanos e das crianças.
O Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas tem dado um passo significativo para responsabilizar os governos a garantir que as crianças vivam em um mundo limpo, verde, saudável e sustentável, fornecendo orientações sobre como os direitos das crianças são impactados pela crise ambiental e o que os governos devem fazer para defender esses direitos.
Esse esforço deve ser usado como ferramenta para alinhar as políticas construídas pela UNFCCC, trazendo a importância do Comentário Geral 26 para dentro das negociações climáticas, cuja elaboração contou com a participação do Instituto Alana e trata sobre os direitos da criança e o meio ambiente, com foco especial nas mudanças climáticas.
“Em 30 anos da UNFCCC, nunca tivemos um acordo específico para o direito das crianças à justiça climática. O Comentário Geral 26 pode trazer uma base sólida de recomendações para que saia um compromisso das nações para combater a crise climática, colocando a criança em primeiro lugar”, comenta JP Amaral, coordenador do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.
Diante de tantos objetivos e das urgências de avanço no combate à crise climática, colocar as crianças e seus direitos no centro de todos os processos e negociações permitirá um processo mais cooperativo em todas as áreas, como mitigação, adaptação, financiamento e perdas e danos. Um clima saudável para as crianças é um clima saudável para todos.
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