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Foto de criança negra segurando tablet

São Paulo, 26 de abril de 2021

O Instituto Alana, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que desenvolve iniciativas com o objetivo de garantir condições para a vivência plena da infância e tem como missão honrar a criança, manifesta-se favoravelmente à derrubada, pelo Congresso Nacional, do veto 10/2021 ao Projeto de Lei no 3.477 de 2020, que dispõe sobre a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e professores da educação básica pública.

O direito de acesso à internet a todos configura-se como um direito habilitante, com importantes impactos para que outros direitos, como à liberdade de expressão, ao lazer, à participação, à saúde, ao acesso à informação e à educação possam ser efetivados. Portanto, a exclusão digital pode significar a violação de outros direitos da criança e do adolescente, em afronta aos termos do artigo 227 da Constituição Federal, o qual determina que sua garantia é prioridade absoluta.

Antes mesmo da pandemia da Covid-19 atingir o Brasil, diversos eram os obstáculos para a redução da chamada “brecha digital” no Brasil, a qual impacta sobremaneira crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Segundo a pesquisa TIC Kids Brasil 2019, 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos vivem em domicílios sem acesso à internet no Brasil. Ainda, constatava-se que o ambiente escolar não era capaz de garantir o acesso à internet para o público infantojuvenil, com 1,4 milhão de crianças e adolescentes sem poder acessar a internet nas escolas, sendo um dos locais em que reportaram ter acessado a rede em menores proporções (32%).

No cenário da atual pandemia, as estratégias de educação remota expuseram as disparidades digitais existentes, que contribuíram para que milhões de crianças e adolescentes ficassem sem acesso a atividades educacionais e para que fossem agravadas situações de evasão e abandono escolar. Conforme divulgado pela pesquisa Painel TIC Covid-19, 36% dos usuários de internet com 16 anos ou mais tiveram dificuldades para acompanhar as aulas por falta ou baixa qualidade da conexão. Ainda, em novembro de 2020, mais de 5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos estavam sem acesso à educação no Brasil, seja por estarem fora da escola, seja por não conseguirem acessar as atividades escolares, número equivalente a um retrocesso de duas décadas.

O Brasil está muito aquém de responder adequadamente aos desafios educacionais impostos pela pandemia, ou em adotar as melhores práticas recomendadas por organismos e agências multilaterais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial, que apontam para a necessidade de se garantir um retorno seguro para as escolas e, paralelamente, de se fortalecer estratégias de ensino híbrido, oferecendo-se conectividade e acesso a dispositivos tecnológicos, criação de parcerias com provedores de internet locais para reduzir custos de disseminação dos materiais pedagógicos, promoção de ciclos de formação continuada para professores, coordenadores pedagógicos e diretores e campanhas de incentivo ao envolvimento dos pais na educação dos filhos. Como resultado, 70% dos estudante brasileiros do ensino fundamental podem ficar sem conseguir ler ou entender textos simples, de acordo com relatório do Banco Mundial, colocando em risco o desenvolvimento humano e o crescimento econômico do país.

Por outro lado, a garantia do acesso à internet permite condições mínimas para assegurar o direito à educação, por meio do acesso a atividades educacionais remotas, da manutenção do vínculo de crianças e adolescentes com a escola, do acolhimento socioemocional e do cuidados com a saúde mental, e da integralização com serviços da rede de proteção social, da qual a escola faz parte. Todos estes acessos são fundamentais para a efetivação dos direitos de desenvolvimento e aprendizagem de estudantes da educação básica.

Do ponto de vista orçamentário, enquanto estados e municípios se desdobraram para garantir alguma forma de oferta educacional durante a pandemia, 2020 foi marcado por baixa execução orçamentária no Ministério da Educação e, principalmente, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), considerando as despesas discricionárias. Segundo relatório do Todos pela Educação, a autarquia utilizou apenas 63% do limite de empenho e 77% do limite de pagamento.

Cabe destacar ainda, que o veto presidencial ao Projeto de Lei no 3.477 de 2020, de autoria de mais de 20 parlamentares, sob a alegação de que o mesmo não apresentaria estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro não se justifica, uma vez que são previstas ao menos fontes de recursos, a saber: I) dotações orçamentárias da União, observado o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia; II) nos casos aplicáveis, recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), de que trata a Lei no 9.998 de 2000; III) saldo correspondente a metas não cumpridas dos planos gerais de metas de universalização firmados entre o poder concedente dos serviços de telecomunicações e as concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC); bem como outras fontes cabíveis.

Ante o exposto e, considerando a relevância da matéria em discussão, o Instituto Alana, manifesta-se pela pela derrubada do veto 10/2021 ao Projeto de Lei no 3.477 de 2020, o qual garante a ampliação do acesso à internet, privilegiando estabelecimentos com fins educacionais, alunos e professores da educação básica pública, sobretudo aqueles em situação de maior vulnerabilidade no presente momento.

Criança escreve em um caderno apoiado sobre uma mesa.

O Projeto de Lei 3.179/12, que permite que a educação básica seja oferecida em casa, está em debate na Câmara dos Deputados para regulamentação. Para uma ampla maioria das organizações da sociedade civil da defesa de crianças e adolescentes, da educação, entidades que representam profissionais do ensino e colegiados das redes públicas, a matéria representa ameaça e retrocesso na efetivação de políticas de direitos humanos, sobretudo no direito à educação.

Lamentamos que o governo federal tenha elencado o tema do ensino domiciliar como única prioridade para a educação neste ano legislativo. Em vez de propor a discussão sobre temas universais da educação brasileira, como a criação de um Sistema Nacional de Educação, a diminuição da evasão escolar, a inclusão digital de estudantes e professores ou a revisão do Fundeb, neste grave momento de aumento da pobreza educacional como reflexo da pandemia de Covid-19 optou-se por concentrar esforços em um tema que diz respeito a uma parcela pequena da população.

Os direitos constitucionais à educação, profissionalização, cultura, liberdade e à convivência comunitária são absoluta prioridade para crianças e adolescentes, e é dever da família, sociedade e do Estado garantir o melhor interesse deste grupo. Dessa forma, o melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sempre e não pode ser colocado em segundo plano, por isso a agenda da educação domiciliar é uma pauta sobre o direito das crianças e adolescentes e não sobre a liberdade de escolha das famílias. 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Base Nacional Comum Curricular e o Plano Nacional de Educação buscam estabelecer padrões de qualidade mínimos na oferta de serviços educacionais por meio de um processo permanente de construção compartilhada de sentidos, de experiências e de conhecimentos, que ocorre em espaços e tempos distintos e na relação entre pessoas.

Nesse sentido, o papel da escola é muito mais amplo do que o de socialização. A escola é espaço de conhecimento físico, social, emocional, cognitivo e científico e de competências essenciais para a participação plena na sociedade em uma perspectiva cidadã, assim como no mercado de trabalho.

Para todos os estudantes, em especial para aqueles que se encontram em contexto de vulnerabilidade, o acesso à educação escolar tem sido o responsável para o reconhecimento de violações na infância e para o acesso à rede de proteção social. Sendo assim, o ensino domiciliar é uma prerrogativa excludente de milhares de estudantes por desconsiderar o papel protetivo e preventivo que as escolas desempenham na vida de crianças e adolescentes.

Para além dos argumentos sociais na defesa da educação escolar, está comprovado que políticas públicas indutoras de acesso e permanência em ambientes escolares são interdependentes e que a escola é um dos poucos fatores capazes de aumentar a riqueza de um país. Esta tese foi ganhadora do Prêmio Nobel em 1979, por Theodore Schultz. que  comprovou que países mais desenvolvidos economicamente tinham maior investimento em capital humano, predominantemente pela educação escolar. Por outro lado, não há evidências consistentes ou indicadores de desenvolvimento sobre os efeitos da oferta do ensino domiciliar como política pública.

Por fim, o Alana entende que a família é responsável e importante nos processos educativos de crianças e adolescentes. Contudo, a legislação brasileira proíbe o ensino domiciliar justamente por entender que o espaço da escola exerce um papel central e insubstituível no cumprimento do dever estatal estabelecido constitucionalmente de garantir o direito fundamental à educação, bem como pela relevância da escola em promover os direitos à convivência comunitária.

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Desenho mostra três crianças sentadas em uma rede verde. Ao lado direito escrito " Rede Nacional Primeira Infância"

O Alana foi eleito, ao lado de outras 10 organizações, para compor o grupo gestor da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), em assembléia realizada nos dias 9 e 10 de dezembro em Aquiraz, no Ceará.

Quase 150 organizações são membros da RNPI, que existe para fomentar a elaboração, o aprimoramento e a integração das políticas nacionais para as crianças até os 6 anos de idade, além de informar e mobilizar toda a sociedade para a importância de defender e promover os direitos das crianças dessa faixa etária.

Os primeiros 6 anos de vida de uma criança são extremamente importantes para seu desenvolvimento físico, psíquico e social. Essa fase é, também, marcada por uma vulnerabilidade maior, que demanda proteção especial e um ambiente seguro, acolhedor e propício ao desenvolvimento de suas potencialidades.

A representante do Alana no grupo gestor é a pedagoga Ana Cláudia Leite e o mandato dura três anos.

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