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Criança de costas olha através de uma janela, pelas frestas de uma cortina branca.

Em 2021, a cada dia, sete crianças ou adolescentes foram vítimas de violência letal. A arma é responsável por 50% das mortes entre crianças, enquanto entre os adolescentes o número chega a 88%, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022

Diante de um contexto em que o incentivo do governo federal à ampliação das possibilidades de aquisição, porte e comercialização de armas de fogo impactam diretamente os direitos de crianças e adolescentes brasileiros, o Instituto Alana ingressou como amicus curiae (amigo da corte) na Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) nº 6139, sobre decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro que regulamentavam o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003) e facilitavam a compra e posse de armas e munição. 

Na ação, o ministro relator Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar para limitar a posse de arma e a quantidade de munições que podem ser adquiridas, suspendendo trechos de decretos da presidência da República. O caso foi analisado pelos outros ministros da Corte, que mantiveram a decisão individual do relator.

Em sua sustentação oral como amicus curiae, a coordenadora jurídica do Instituto Alana, Ana Claudia Cifali, reforçou os impactos do desmonte da estrutura de controle de armas e munições para os direitos de crianças e adolescentes, “em especial, o direito fundamental à vida e à integridade física, potencializando resultados como o aumento de casos de homicídios, acidentes domésticos, suicídios e, até mesmo, massacres envolvendo crianças e adolescentes, especialmente no ambiente escolar”. 

A cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre no Brasil em decorrência de ferimentos por arma de fogo. A cada duas horas uma criança ou adolescente dá entrada em um hospital da rede pública com ferimento por disparo de arma. Os dados da Sociedade Brasileira de Pediatria, apresentados na sustentação oral da advogada Ana Cifali, mostram a tragédia alimentada pelo plano do atual presidente de permitir que mais armas circulem no país.

“Por isso, é muito bem-vinda a decisão do excelentíssimo ministro Edson Fachin, que buscou interromper esse ímpeto armamentista em um momento de acirramento da violência política e das ameaças à democracia. Essa política armamentista, além de incompatível com a democracia, gera riscos à vida de toda a população e aumenta a vulnerabilidade de grupos sociais como mulheres, crianças e adolescentes, cuja proteção deve ser garantida com absoluta prioridade, conforme o artigo 227 da Constituição”, declarou Ana Cifali. 

Cabe também ressaltar que os decretos de Jair Bolsonaro impactam, especialmente, a população negra, refletindo o racismo estrutural da sociedade brasileira. Das mortes violentas, 66,3% das vítimas são negras e 31,3% brancas. Entre os adolescentes, a hiper representatividade de vítimas negras salta para 83,6%. 

Além disso, é importante lembrar que a maioria das crianças não diferencia armas reais das de brinquedo: 41% das crianças e adolescentes tiveram dificuldades de discernir entre elas. “Nos Estados Unidos, país com maior permissividade na posse de armas, em 2020, no começo da pandemia, 4368 crianças e adolescentes morreram por armas de fogo, sendo 1293 dessas mortes por suicídio. Por isso, questionamos: é esse caminho que queremos seguir no Brasil? Em pleno Setembro Amarelo, temos a obrigação de alertar que ter uma arma em casa é um fator de risco para o suicídio, especialmente de adolescentes. Especialistas apontam que políticas de prevenção devem focar tanto em saúde mental como nos meios para o suicídio. Os decretos publicados pelo governo vão na contramão dessa recomendação”, afirmou Cifali. “O descontrole de armas firmou-se como mais uma política de morte promovida pelo governo federal, que não demonstra compreender que alguns grupos sociais têm direito à uma proteção qualificada e prioritária. Quantas Agathas, João Pedros, Kauãs, Marias, Carolinas, Douglas, Emilys e Rebecas vamos permitir que continuem virando estatística no nosso país?”

Para conferir a sustentação oral completa da coordenadora jurídica do Instituto Alana, acesse aqui.

Em uma biblioteca, três crianças se reúnem em torno de uma criança com deficiência, que está ao centro da foto. Elas se olham e trocam sorrisos.

Acessar, permanecer e aprender na mesma sala, na mesma escola, é um direito de todas as crianças e todos os adolescentes, independentemente de sua condição, ou seja, de ter ou não uma deficiência. No entanto, em setembro de 2020, o governo federal publicou um decreto que se apresenta como um grave retrocesso para a efetivação desse direito e da educação inclusiva.

O Decreto Federal nº 10.502/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE), busca retroceder para a criação de espaços segregados para estudantes com deficiência, limitando seu ingresso e permanência nas classes comuns de escolas regulares.

Em resposta a esse ato que põe em risco o ideal da escola para todos, a Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, da qual o Instituto Alana faz parte, apresenta, em 21 de setembro, no Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, a publicação Pela Inclusão: os argumentos favoráveis à educação inclusiva e pela inconstitucionalidade do Decreto nº 10.502/2020 (baixe aqui)

Com prefácio da procuradora regional da República e uma das pioneiras na defesa da educação inclusiva, Eugênia Augusta Gonzaga, o livro reúne 30 artigos com argumentos jurídicos e pedagógicos favoráveis à educação inclusiva escritos por representantes de organizações que participaram, em agosto de 2021, como amicus curiae em uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 6.590/DF, que questionava a constitucionalidade do decreto. Atualmente, os efeitos da nova política estão suspensos, mas sua confirmação ainda está pendente.

Publicado com o apoio do Instituto Alana, o livro é composto por cinco capítulos. O primeiro traz textos que resgatam a história dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil e no mundo. O seguinte trata das convenções internacionais e políticas públicas de educação inclusiva, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), aprovada em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e promulgada, em 2009, no Brasil. Depois, a publicação apresenta artigos com análises mais detalhadas do Decreto 10.502, como a questão orçamentária e as receitas destinadas à educação inclusiva, além de uma avaliação dos artigos e incisos do ato normativo. O próximo capítulo reúne textos sobre a interseccionalidade da deficiência com outros marcadores, como a perspectiva da raça. Por fim, o livro se encerra com artigos que trazem depoimentos pessoais e experiências de inclusão em escolas brasileiras.

“A educação inclusiva é uma das pautas mais urgentes para a garantia de direitos das pessoas com deficiência e para a construção de uma sociedade que quer se ver inclusiva e distante de qualquer forma de discriminação. Temos o orgulho de apresentar essa publicação, com o intuito de fortalecer a defesa da importância de uma educação verdadeiramente inclusiva para todas as crianças e adolescentes com absoluta prioridade”, comentam em um dos artigos os idealizadores da publicação, a diretora-executiva do Instituto Alana, Isabella Henriques, o diretor de Políticas e Direitos da Criança do Instituto Alana, Pedro Hartung, e a coordenadora jurídica da Coalizão, Laís de Figueirêdo Lopes.

A Coalizão é composta por 56 organizações de áreas como direitos humanos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes e educação, que atuam pelo direito à educação inclusiva no Brasil. 

Com o compromisso de assegurar a acessibilidade em suas produções, o grupo está disponibilizando o material em formatos acessíveis: PDF acessível, ePub e versão audiovisual (com interpretação em Libras e narração). 

Foto de uma criança branca de costas. Ela segura um ursinho de pelúcia.

Avaliação consta em relatório que acompanha o status de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

O aumento da violência contra crianças e adolescentes no Brasil motivou o Instituto Alana a classificar como retrocesso a implementação de uma meta pertencente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre paz, justiça e instituições eficazes. A gestão ineficiente da pandemia e a redução do orçamento direcionado à defesa dos direitos de crianças e adolescentes foram alguns dos fatores que levaram o Instituto a essa avaliação.

Pelo segundo ano consecutivo, o Instituto participou da elaboração de um relatório em relação ao Objetivo 16 (“Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”) da ODS, mais especificamente à meta 16.2 (“Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças”)

O “VI Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Implementação da Agenda 2030 no Brasil”, lançado em junho na Câmara de Deputados, dá seguimento a uma série que teve início em 2017 e apresenta um panorama geral das políticas sociais, ambientais e econômicas do Brasil. Esse é o único documento hoje no país que acompanha o status de cumprimento dos ODS e foi produzido por 101 especialistas de 48 organizações que integram o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030. 

O material classifica uma meta como “retrocesso” quando as políticas ou ações correspondentes foram interrompidas, alteradas negativamente ou sofreram esvaziamento orçamentário. 

A partir dos dados apresentados e analisados em 2020 e 2021, o Instituto Alana observou dois principais aspectos em relação ao contexto pandêmico e o seu impacto na garantia dos direitos das crianças e adolescentes. O primeiro diz respeito à redução na quantidade de denúncias e do desvelamento de violências cometidas contra esse grupo, tendo em vista que a suspensão das aulas e dos serviços presenciais reduziu o contato de crianças e adolescentes com agentes externos e, consequentemente, a possibilidade de identificação e denúncias das violências sofridas no âmbito doméstico. Também foi avaliada que a ineficiente gestão da pandemia implicou no agravamento de violações de direitos de crianças e adolescentes, a exemplo da demora na vacinação da população e, consequentemente, o retorno das atividades presenciais. 

Além disso, a classificação da meta 16.2 em retrocesso relaciona-se à redução progressiva e sistemática do orçamento destinado à promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes. No que diz respeito a essa questão, o relatório “Um país sufocado: Balanço Geral da União 2020” traz dados que confirmam e retratam essa sistemática violação do dever de absoluta prioridade de crianças e adolescentes na execução de políticas públicas e na destinação de recursos públicos. Em 2020, foram destinados R$ 425,6 milhões  de recursos para a subfunção “Assistência à Criança e ao Adolescente”, R$ 298 milhões a menos em comparação aos R$ 723,8 milhões de 2019. Naquele mesmo ano, foram executados R$ 442,7 milhões, R$ 45,7 milhões a menos que em 2019 (R$ 488,4 milhões). Além disso, considerando apenas as despesas de 2020, deixou de ser executado 19,5% do valor disponível. 

Em relação ao indicador 16.2.1, “Proporção de crianças com idade entre 1 e 17 anos que sofreram qualquer punição física e/ou e/ou agressão psicológica por parte de cuidadores no último mês”, no início da pandemia, conforme apontado no “Dossiê Infâncias e Covid-19: os impactos da gestão da pandemia sobre crianças e adolescentes”, enquanto o Disque 100 registrou um aumento geral do número de denúncias de agressões a outros grupos sociais vulneráveis (como idosos, pessoas com deficiência, pessoas privadas de liberdade e mulheres) entre os meses de março a junho de 2020, o único grupo em que se registrou menos denúncias foi o de crianças e adolescentes. Em abril, o número de denúncias foi 18% menor em relação ao mesmo mês de 2019. Porém, vale lembrar que a redução no indicador não equivale à redução das violências. Já no primeiro semestre de 2021, houve um aumento no número de denúncias de violações de direitos humanos de crianças e adolescentes em comparação ao semestre anterior: 47.416 denúncias (178.666 violações) frente a 41.722 (101.403), demonstrando que, nesse momento, as denúncias represadas começam a chegar aos órgãos de proteção.

Nesse contexto, foram registradas, em 2021, 153,4 mil denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes via Disque 100, segundo dados divulgados pelo Governo Federal. Além disso, em 2021, segundo dados oficiais, o Disque 100 recebeu 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. 

Também foram registrados 24.761 boletins de ocorrência de casos de violência contra crianças e adolescentes, conforme pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal no primeiro semestre de 2021, considerando 12 Unidades Federativas (UFs) brasileiras. Além disso, no mesmo período, foram registrados, por dia, 136,8 casos de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. De acordo com a pesquisa, a violência contra crianças e adolescentes vem aumentando e há um grupo ainda mais vulnerável: crianças e adolescentes negros e do sexo feminino, o que demanda a elaboração e execução de políticas públicas voltadas ao atendimento de direitos de crianças e adolescentes com vistas a reduzir as desigualdades, considerando a interseccionalidade que perpassa essa população com atenção a vulnerabilidades específicas.

Em relação ao indicador 16.2.2, “Número de vítimas de tráfico de pessoas por 100.000 habitantes, por sexo, idade e forma de exploração”, de janeiro de 2020 a junho de 2021, foram registrados 301 casos de tráfico de pessoas, sendo que 50,1% são casos de crianças e adolescentes, segundo dados oficiais divulgados pelo Governo Federal. 

Já quanto ao indicador 16.2.3, “Proporção de mulheres e homens jovens com idade entre 18 e 29 anos que foram vítimas de violência sexual até a idade de 18 anos”, em 2020, foram registrados 60.460 casos de estupro, havendo uma redução de 14,1% desses atos, conforme dados divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Desses casos, 73,7% das vítimas eram consideradas vulneráveis, 86,9% eram do sexo feminino, 60,6% tinham até 13 anos e, em 85,2% dos casos, o autor era conhecido da vítima.

Embora durante a pandemia de Covid-19 os números de registros de violência sexual tenham reduzido, não implica afirmar que, de fato, houve redução na incidência desse tipo de violência. Além dos crimes sexuais terem altas taxas de subnotificação, em razão do distanciamento social e da suspensão do atendimento presencial de serviços ocorridos durante a emergência sanitária, como, por exemplo, serviços da assistência social, de educação e saúde, a possibilidade de denúncias e identificações desse crime foi prejudicada. 

“Nesse contexto de evidente retrocesso, a efetivação do artigo 227 da Constituição Federal faz-se ainda mais urgente. Garantir a prioridade absoluta de crianças e adolescentes na efetivação de direitos, na formulação e na execução das políticas sociais públicas e na destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas à proteção à infância e à juventude é o caminho para avançarmos na consecução da meta 16.2”, comenta Mariana Albuquerque Zan, advogada do Instituto Alana. 

O “VI Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Implementação da Agenda 2030 no Brasil” está disponível em formato PDF em duas versões: português e inglês

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