Author: fernanda-miranda

Uma joaninha aparece em destaque nas pontas do dedo de uma criança

 “Eu fiz um pato joinha que faz as pessoas ficarem felizes… algumas pessoas toda hora fica triste… coisas… ruim… lembra de coisa ruim… [sic] eu toda hora lembro de uma coisa ruim… uma coisa triste… aí o pato joinha deixa as pessoas felizes”.
– Menino de Brasília, de 5 anos. 

Quais são os sentimentos das crianças sobre o meio ambiente e quais são as possíveis soluções que elas veem para melhorar a relação das pessoas com a natureza? Para algumas, como o menino que criou o “pato joinha”, o problema no planeta é da ordem da tristeza. Colocar-se no lugar do outro, ter mais empatia, poderia reordenar o comportamento humano para superar a ameaça à vida e à natureza. 

Outra parte do público infantil acredita que o problema é de natureza estrutural, que se propaga em rede e reverbera no conjunto da vida, pois tudo está interligado. Um menino de 7 anos de São Paulo, por exemplo, fez um desenho em que um monstro contamina raízes. “(…) Ele mata pegando você pela raiz e te enforcando pela raiz… eu tô com a espada na mão lutando com o monstro que começou a contagiação… [sic] e também dá pra contagiar qualquer coisa, tipo essa lua aí… virou monstro também… ele está contaminando tudo… como essa lua que também tá virando mutante… nascendo um tentáculo dela”. 

Ainda, há crianças que imaginam artifícios para se proteger das catástrofes da crise climática, como as construções de abrigos, a exemplo das arcas de Noé. Em São Paulo, três crianças construíram uma torre, uma espécie de arca, que abriga possibilidades de sobrevivência, inclusive “sementes do futuro” para a continuidade da vida na Terra.

Percepções como essas fazem parte de uma pesquisa de escuta de crianças sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas realizada pelo Instituto Alana, por meio de Ana Cláudia Leite e Gandhy Piorski, com o apoio da Fundação Bernard Van Leer. As escutas também abrangeram temas acerca da cidade, em especial sobre sua relação com o brincar ao ar livre e a mobilidade. 

Entre 2018 e 2020, os pesquisadores realizaram oficinas de escuta com meninos e meninas com e sem deficiência, de 4 a 12 anos, e de diferentes condições socioeconômicas, étnicas e raciais, feitas em cinco cidades brasileiras, de todas as regiões do país: Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Brasília (DF), Recife (PE) e Boa Vista (RR). 

Buscamos criar um método de escuta sensível que parte das linguagens e expressões das crianças e busca alcançar o que elas têm de mais profundo e inspirador para o mundo: sua imaginação. Assim, como adultos, temos a oportunidade de perceber as infâncias e os temas propostos a partir de outra perspectiva”, ressalta Ana Cláudia Leite, assessora de infância e educação do Instituto Alana.

O resultado desses encontros é apresentado em dois sumários executivos, “Por um método de escuta sensível das crianças“, que apresenta a metodologia autoral construída pelos pesquisadores a partir de uma concepção de escuta que privilegia as múltiplas linguagens e o imaginário das crianças, e “Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas“, cujo conteúdo traz as produções e narrativas das crianças que dialogam com a questão ambiental, como as mudanças climáticas e a poluição. 

Das oficinas de escuta, os pesquisadores criaram um acervo composto de produções de crianças com diversos materiais, áudios, fotos, vídeos e registros de bordo, bem como um relatório técnico no qual há a análise interpretativa dos temas abordados na pesquisa. Ao todo, são cerca de 150 desenhos, 95 objetos, 80 produções em massa de modelar e 70 horas de áudio e vídeo. 

Sobre o tema natureza e mudanças climáticas, os pesquisadores classificaram as produções das crianças em quatro eixos temáticos: “teia da vida” (que expressam uma relação de interdependência nos acontecimentos sobre o meio ambiente e de conexão entre os fatos), “retorno ao primitivo” (que exprimem uma ideia de retorno aos estágios primitivos da civilização, como as destruições em massa), “drama geológico” (a ideia de que as ameaças e transformações viriam não dos seres humanos, mas sim do planeta e sua reorganização geológica, ou até do sistema solar e do cosmos) e “drama ético” (que diz respeito à responsabilidade dos seres humanos nas consequências negativas e positivas em relação ao meio ambiente).

“Esses assuntos são tratados com profundidade pelas crianças. Expressando-se por meio de modelagens, desenhos e objetos, elas evidenciam por meio da sua força imaginária a urgência de se encontrar soluções sistêmicas  para  problemas ambientais complexos e graves. Em suas produções, a natureza aparece como fonte de vida, beleza, integração e desenvolvimento e, ao mesmo tempo, as crianças demonstram ter receio com os problemas ambientais, que já são sentidos por elas”, ressalta Gandhy Piorsky, coordenador da metodologia da pesquisa. 

A participação é um direito de crianças e adolescentes, conforme evidencia o artigo 12 da Convenção dos Direitos das Crianças, que se efetiva à medida que as especificidades da infância, e em relação à idade e às suas condições cognitivas e emocionais, são asseguradas. Mesmo em assuntos de alta complexidade, como as mudanças climáticas, as crianças podem e devem ser consideradas, uma vez que são temas que lhe dizem respeito, impactam sua vida e a das futuras gerações. No entanto, é preciso cuidado para que, em nome do direito à participação, não se conduza iniciativas que se baseiam em concepções, narrativas e atividades que são próprias do mundo do adulto, mas inadequadas à condição peculiar de desenvolvimento das crianças. 

Para Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos da Infância do Instituto Alana, crianças precisam ser consideradas não apenas por serem sujeitos de direitos, mas porque a humanidade ganha ao escutar as novas gerações. “A infância tem uma perspectiva e contribuição singular aos desafios individuais e coletivos. Essa escuta é fundamental pois é necessário engajar diversos atores para a mobilização urgente em prol das questões climáticas e fortalecer a incidência da pauta nas mídias e em ações junto a lideranças políticas e a governos locais”, ressalta.  

Baixe os sumários executivos:

Máscaras de pano de diferentes cores e tecidos estão pendurados em um varal

Garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes com absoluta prioridade inclui zelar pela vida, saúde e integridade de adolescentes e jovens inseridos no sistema socioeducativo brasileiro. Diante de um cenário de desigualdades e vulnerabilidades de grupos historicamente marginalizados na sociedade brasileira como os adolescentes em situação de restrição e privação de liberdade , acirrado ainda mais pelos impactos de mais de dois anos de pandemia, o Instituto Alana está apoiando, por meio do projeto Justiça Juvenil, o lançamento de duas publicações sobre o tema. 

O relatório “Covid-19 e Sistema Socioeducativo – Panorama Nacional do Primeiro Semestre de 2020”, coordenado pela Coalizão pela Socioeducação, rede de organizações da qual o Instituto Alana faz parte, traça o cenário da pandemia no primeiro semestre de 2020 e seus impactos no sistema socioeducativo. O material apresenta dados reunidos a partir de pedidos de acesso à informação realizados às secretarias responsáveis pela execução de medidas socioeducativas de privação de liberdade nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, além de contar com informações prestadas por órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura. 

Apresentando um panorama minucioso sobre o sistema socioeducativo dos estados, como o número e gênero dos adolescentes atendidos, o número de estabelecimentos socioeducativos e o índice de lotação das unidades, o material identifica os desafios e estratégias iniciais utilizadas por cada localidade nas adaptações necessárias ao enfrentamento da Covid-19, buscando demonstrar a situação do sistema socioeducativo nesse período específico. 

De acordo com dados do Conselho Nacional do Ministério Público, em 2019, mais de 18 mil adolescentes estavam em privação de liberdade no Brasil, em contrapartida à capacidade de lotação de 16.161 vagas. Um mapeamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que, até o dia 31 de agosto de 2022, 16.213 infecções de Covid-19 foram confirmadas dentro do sistema socioeducativo (4.183 vítimas eram adolescentes e 12.030 eram servidores), totalizando 122 mortes, todas de servidores.

“A privação de liberdade, por si só, gera situação de vulnerabilidade, uma vez que consiste no distanciamento familiar e comunitário de adolescentes em fase de desenvolvimento. Tal vulnerabilidade, somada à Covid-19, tem o potencial de gerar impactos negativos não apenas aos adolescentes em restrição de liberdade, mas também para funcionários, educadores e familiares”, destaca o relatório.

O material ainda apresenta medidas apresentadas pelo CNJ para a redução dos impactos da doença no sistema socioeducativo durante a pandemia e informa se os estados as adotaram. Entre elas, destaca-se a elaboração de ações coordenadas entre as áreas da saúde, assistência social, educação, cultura e segurança pública para proteção e segurança da comunidade socioeducativa (18 estados e o Distrito Federal  alegaram ter adotado  alguma medida nesse sentido); higienização e cuidado nas unidades de atendimento (16 estados e o Distrito Federal alegaram ter adotado); e ações de proteção para os profissionais que atuam no socioeducativo, que, em razão do deslocamento para o trabalho, ficaram mais expostos à contaminação pelo vírus (16 estados e o Distrito Federal alegaram ter adotado). 

Entre os desafios que precisam ser enfrentados, o relatório ressalta alguns, como a necessidade de aprimoramento das audiências virtuais (um procedimento novo no âmbito da justiça juvenil e que, por isso, apresenta gargalos que podem ocasionar violações de direitos processuais); e a necessidade de fiscalização do atendimento socioeducativo que, por conta da pandemia, passou a ser realizada, em sua maioria, remotamente, comprometendo sua efetividade e, assim, também a garantia da dignidade humana.

O informativo “Disparidades no sistema socioeducativo em tempos de Covid-19”, por sua vez, é uma realização da Afro-Cebrap, financiada pelo Instituto Alana. O material procura explorar o cenário da pandemia de Covid-19 a partir dos impactos no sistema socioeducativo e de uma análise do perfil dos adolescentes, principalmente considerando o fator racial. 

Dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) de 2019 mostram que 40% dos socioeducandos que cumprem medida de internação são negros. Desde 2013, ano em que começou a ser disponibilizada essa informação no relatório, o número de adolescentes pretos e pardos no sistema socioeducativo sempre foi mais expressivo do que o de outras raças.

Com pontos em comum, ambas as pesquisas destacam problemáticas similares: os dados sobre o sistema socioeducativo são marcados por ausências ou insuficiências. Isto é, os dados ou não são disponibilizados com transparência ou, quando são, desconsideram questões metodológicas para compreender questões de gênero, raça, sexualidade e outros marcadores sociais importantes para o monitoramento da política socioeducativa no Brasil e para a realização de análise e avaliação de políticas públicas. 

Por exemplo, o levantamento do Sinase, documento estatal divulgado anualmente que é a principal fonte do panorama do sistema socioeducativo a nível nacional, teve sua última edição em 2019, contando com dados de 2017. Os anos de 2018 a 2021 não contam com levantamentos anuais, o que é destacado pelas duas pesquisas como um ponto grave, visto que impediu o monitoramento do sistema durante um período de muitos riscos, como foi o da pandemia de Covid-19.

“Ambientes de privação de liberdade são lugares de extrema vulnerabilidade, e o Estado tem o dever de zelar pelos direitos de adolescentes nessas condições. Durante a pandemia de Covid-19, um período que acentua essas vulnerabilidades, a ausência de dados e de uma gestão efetiva em nível nacional do sistema socioeducativo demonstram que o Estado não tem cumprido suas obrigações com esses adolescentes. É urgente que dados que considerem marcadores das diferentes adolescências brasileiras – raça, gênero, classe social e sexualidade – sejam disponibilizados e, a partir deles, possa ser pensado, conjuntamente entre Estado e sociedade civil, o aprimoramento da política de atendimento socioeducativo no país”, destaca Pedro Silva, advogado do Instituto Alana. 

Os materiais “Covid-19 e Sistema Socioeducativo – Panorama nacional do primeiro semestre de 2020” e “Disparidades no sistema socioeducativo em tempos de Covid-19” estão disponíveis gratuitamente para download (aqui e aqui).

Menina negra escreve sentada em uma mesa numa sala de aula. Ao fundo, há outros estudantes.

Instituto Alana e Geledés – Instituto da Mulher Negra realizam pesquisa nacional sobre como (e se) a implementação da Lei modificou o funcionamento de secretarias municipais de educação

Em 2023, o Brasil celebra 20 anos da promulgação da Lei 10.639/2003, que revolucionou a educação ao tornar obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, públicas e particulares, em todas as etapas de ensino. Para entender o impacto desse marco histórico na prática, uma pesquisa nacional vai mapear as ações desenvolvidas por redes municipais de ensino para a implementação da Lei 10.639. A pesquisa é fruto de uma parceria entre Instituto Alana e Geledés – Instituto da Mulher Negra, com apoio institucional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme) e apoio estratégico da organização internacional Imaginable Futures. 

Sancionada em 2003, a Lei 10.639 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e instituiu a obrigatoriedade do estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

A aprovação da lei foi fruto da luta do Movimento Negro pelo resgate histórico da contribuição dessa população na construção e formação da sociedade brasileira. “Na proximidade do marco de 20 anos de alteração da LDB, a pesquisa é uma das nossas contribuições, em nosso papel de sociedade civil, no acompanhamento dessa política educacional junto aos municípios. A efetividade da política educacional passa pela institucionalização e pelo aperfeiçoamento das medidas desde a gestão governamental para alcançar os níveis e modalidades de ensino. É impossível falar em educação de qualidade sem pensar no equacionamento das desigualdades e nas relações raciais no âmbito educacional”, reforça a coordenadora do Programa de Educação de Geledés, Suelaine Carneiro.

A Lei 10.639/2003, o Parecer CNE/CP 003/2004 e a resolução CNE/CP 01/2004 são instrumentos legais que fundamentam, orientam e explicitam para todas as instâncias seus papéis no cumprimento do que está determinado no artigo 26A da LDB. No entanto, a efetivação da lei ainda é considerada tímida ao se observar como a política educacional se estabelece na prática nas escolas do país. “O racismo estrutural está na raiz dos problemas do Brasil. Os sistemas de ensino reproduzem as desigualdades raciais vistas na sociedade, basta verificar os indicadores de acesso e permanência com qualidade entre crianças brancas e negras. É urgente iluminar o que e como as secretarias de ensino têm contribuído para a redução dessas desigualdades, como política permanente e sistêmica de Estado”, complementa a diretora de Educação e Culturas Infantis do Instituto Alana, Raquel Franzim.

O objetivo do projeto é contribuir com a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes ao elucidar quais são os desafios que precisam ser enfrentados e também quais possibilidades os níveis e modalidades de ensino garantem para uma vivência escolar integral, inclusiva, democrática e equitativa para todas as crianças, sobretudo para as negras. 

“Após quase 20 anos de implementação da Lei 10.639, já podemos enxergar algumas mudanças no ensino de Cultura e História Africana e Afro-brasileira, sobretudo em documentos que orientam políticas educacionais. Ainda que existam avanços nessa pauta, há muito para ser feito. Por isso, para darmos um novo passo em direção aos objetivos da lei, precisamos refletir quais os desafios que, ainda hoje, dificultam sua implementação e efetivação. Ao constatarmos que precisamos de mais dados ou informações sobre tais desafios, ficamos felizes de fazer esse apoio estratégico para o Instituto Alana e Geledés”, diz Fabio Tran, diretor de Investimentos da Imaginable Futures.

O resultado desse trabalho vai gerar um banco de dados para grupos de pesquisas parceiros, um relatório de pesquisa e um mapeamento de iniciativas junto às redes públicas de ensino.

Idealização e realização: Instituto Alana e Geledés – Instituto da Mulher Negra
Apoio estratégico: Imaginable Futures
Apoio institucional: UNDIME e UNCME

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