Grupo de trabalho do governo de transição na área da infância, do qual a diretora-executiva do Alana fará parte, foi criado para garantir os direitos das crianças
A diretora-executiva do Alana, Isabella Henriques, foi convidada a fazer parte do grupo técnico do governo de transição na área de Direitos Humanos, voltado às infâncias, criado para garantir que sejam assegurados os direitos das crianças, adolescentes e jovens com prioridade absoluta, conforme declara o artigo 227 da Constituição Federal.
Com a lista divulgada nesta semana pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, Isabella passa a integrar o time responsável pela transição do atual governo, Jair Bolsonaro, para o do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Isabella Henriques é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) e conselheira do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, é cofundadora do Advocacy Hub, Global Leader for Young Children pelo World Forum Foundation e Líder Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância pelo Núcleo Ciência pela Infância. Advogada, mestre e doutora em direitos difusos e coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), defendeu, recentemente, a tese “Direitos fundamentais da criança no ambiente digital: O dever de garantia da absoluta prioridade”.
“Espero contribuir para que todas as crianças tenham garantidos seus direitos fundamentais à alimentação, à saúde e à educação. E também que tenham garantidos seus direitos a um meio ambiente equilibrado e ao ambiente digital amigável, de maneira a proporcionarem seu pleno e integral desenvolvimento. Enfim, que as crianças sejam prioridade para o novo governo, em todas as áreas”, comentou a diretora-executiva.
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Instituto Alana e outras organizações que se mobilizam pela garantia dos direitos das crianças entregam carta a Douglas Belchior e Marina Silva, membros do governo de transição, para que as infâncias brasileiras tenham o direito ao futuro agora no presente
O governo de transição recebeu nesta quarta-feira, 16, na COP 27, a Conferência do Clima da ONU em Sharm el-Sheikh, no Egito, uma carta assinada por organizações da sociedade civil que chama atenção para a vulnerabilidade das crianças diante da emergência climática e para a necessidade de elas serem consideradas em primeiro lugar nas políticas públicas de combate à crise do clima no Brasil.
A carta, assinada por mais de 40 organizações, dentre elas, o Alana, foi entregue durante o evento “Crianças do sul global são as mais afetadas pelas mudanças climáticas: caminhos e soluções” (assista aqui), no Brazil Climate Action Hub, para dois nomes que compõem o governo de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva: a recém-eleita deputada federal Marina Silva e o professor e representante da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior.
As crianças, especialmente as mais vulneráveis, como indígenas, ribeirinhas, negras, quilombolas, rurais, com deficiência, periféricas e meninas, são as mais gravemente afetadas por todas as dimensões da crise socioambiental, defendem as organizações que assinam o texto.
“Estamos todos vivendo a mesma tempestade, mas não no mesmo barco. (…) As crianças brasileiras precisam de água limpa, ar puro, áreas verdes nas escolas e cidades, moradia segura, saneamento, educação na e com a natureza, transporte sustentável e floresta de pé. Elas precisam ser escutadas e consideradas, com atenção e sensibilidade, para que seus direitos e seu melhor interesse sejam expressos em compromissos concretos e ações climáticas. Elas precisam ser livres para aprender, brincar, experimentar, sonhar e crescer lá fora. Precisamos de mais crianças na natureza e mais natureza para as crianças”, diz o texto da carta.
O governo de transição é um processo realizado antes da posse do presidente eleito, que assume seu mandato em 1º de janeiro de 2023, para que receba todos os dados e informações necessários para implementar seu novo programa de governo. Grupos técnicos de trabalho, que atuam em temas como combate à fome, direitos humanos e desenvolvimento social, estão sendo formados para debater assuntos ligados à transição.
Na carta, as organizações ainda defendem que sejam assegurados os direitos das crianças com prioridade absoluta, conforme determina o artigo 227 da Constituição Federal. “Que elas sejam colocadas em primeiro lugar, com prioridade absoluta, em todas as políticas públicas nacionais socioambientais e climáticas. Porque um planeta saudável para as crianças é um planeta saudável para todos nós. E não há nem direitos, nem humanos, sem natureza”.
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Eventos climáticos extremos impactam, especialmente, populações negra, quilombola, pesqueira, periférica, indígena, ribeirinha e, particularmente, suas crianças. O racismo ambiental traz à tona a urgência de buscar soluções para a emergência climática sob uma perspectiva antirracista
Você já notou quais costumam ser as populações mais afetadas pelos efeitos da crise climática? Em diversos lugares do mundo, as populações étnico-raciais em situação de vulnerabilidade geralmente estão entre as principais vítimas das enchentes nas grandes cidades, dos deslizamentos de terras, das secas prolongadas e de outros eventos extremos provocados pelo aquecimento do planeta. Esses impactos, que ameaçam adultos e crianças de formas distintas, estão no centro do que chamamos racismo ambiental.
O termo foi criado nos anos 1980, pelo ativista afro-americano e defensor de direitos civis Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. Ele desenvolveu o conceito em um momento de manifestações do movimento negro contra injustiças ambientais nos Estados Unidos, fazendo referência à forma desigual com que as comunidades mais vulneráveis ficam expostas aos fenômenos ambientais, bem como estão distanciadas das tomadas de decisão. Desde então, enfrentar as desigualdades socioambientais virou parte importante da luta antirracista.
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Em 2021, o tema ganhou ainda mais projeção ao ser levado por ativistas aos debates da COP 26, em Glasgow, na Escócia. Lá, representantes dos movimentos negro e indígena do Brasil denunciaram o problema e cobraram ações efetivas dos líderes mundiais, defendendo que não é possível separar a luta ambiental do reconhecimento e respeito aos povos originários e aos mais vulneráveis, e que a justiça climática precisa seguir de mãos dadas com a justiça racial.
A questão também se expressa nas desigualdades constatadas entre o norte e o sul global, uma consequência dos processos de colonialismo, neoliberalismo e globalização. Ainda hoje, a chegada de grandes empreendimentos aos países do sul global costuma gerar expulsão de populações originárias de seus territórios, destruindo suas culturas e impactando o meio ambiente.
O racismo ambiental pode ser observado das cidades aos campos. Atravessando essa história de desigualdades, estão as favelas brasileiras, por exemplo. E, embora 84% da população brasileira viva em áreas urbanas, a maioria dos conflitos no país relacionados à justiça climática — mais de 60% — atinge justamente populações que vivem nos campos, nas florestas e nas zonas costeiras, revela um estudo realizado pela Fiocruz. Nessas áreas, as disputas por recursos naturais estão ligadas à inserção do Brasil no comércio internacional, em geral com práticas ambientalmente agressivas e resultando em impactos diretos nas populações de baixa renda e minorias étnicas.
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A questão, que atinge especialmente crianças negras, indígenas e quilombolas, levou mais de 220 entidades da sociedade civil a assinarem um manifesto contra o racismo ambiental na COP 26. Na ocasião, a Coalizão Negra por Direitos lembrou que a crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e indígenas.
“No Brasil, a maioria populacional é negra e representa, hoje, 56% da população. Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista. É negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome. É negar a violação dos direitos constitucionais de comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas. É negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”, afirmou a Coalizão no documento.
Mesmo assim, o Brasil não reconheceu o conceito de racismo ambiental na ONU. Em uma sessão do Conselho de Direitos Humanos realizada em 2021, representantes do governo brasileiro questionaram o uso do termo, argumentando que essa não era uma terminologia “internacionalmente reconhecida”. Para o atual governo, a relação entre os problemas ambientais e as questões sociais, como o racismo, devem ter um enfoque “equilibrado e integrado à dimensão social, econômica e ambiental”.
O resultado disso é a falta de informações sobre o racismo ambiental no país, enquanto possíveis soluções costumam ser discutidas apenas superficialmente. É importante que passemos a olhar nosso passado, nosso presente e a chamar as coisas pelo nome que elas têm.
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Os eventos climáticos extremos impactam a todos, é verdade. Mas não há como negar o recorte persistente e estrutural de quem costuma ser mais afetado. E, nessa teia de vulnerabilidades, as populações negra, quilombola, pesqueira, periférica, indígena e ribeirinha, em especial as suas crianças, estão pagando mais caro essa conta. É preciso levar as pessoas que sofrem injustiças climáticas ao centro dos processos decisórios. Só assim será possível garantir, no presente, um planeta habitável para as crianças.
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